sábado, 27 de novembro de 2010

Até onde vão os limites do consumo?


Certo dia estive refletindo sobre os valores humanos e me fiz a seguinte divagação: o consumo desmedido é natural do ser humano ou provêm dos apelos publicitários e midiáticos? Depois pensei no quanto a mídia e a publicidade influenciam as pessoas, e o quanto essa pergunta era pertinente, pois está fortemente atrelado ao modelo de sociedade em que vivemos.
É certo que o modelo econômico atual desencadeou mudanças históricas, sociais e culturais profundas, e evidentemente comportamentais, no modo de ser e pensar das pessoas, evidenciada na hiper-valorização que damos à mercadoria e proporcionalmente a desvalorização dada a vida humana. Valores éticos e morais declinaram, e a mercadoria passou a reger a vida das pessoas e a ser o principal objetivo delas. Ou seja, o que vemos é a constatação do antigo dilema filosófico, a guerra de duas coisas completamente opostas e dicotomicas: o Ser versus o Ter.
Vivemos hoje em uma sociedade de consumo onde o valor do homem na maioria das vezes é medido pelas suas posses materiais. Isso significa que se um indivíduo possui um determinado bem material, como um carro, uma moto, uma calça jeans da moda ou aquele tênis de marca, por exemplo, terá prestígio perante a sociedade, fazdendo-o ser reconhecido, admirado e até mesmo invejado por muita gente. Hoje os bens materiais fornecem ao homem status social. Há no homem um desejo natural de alimentar o ego ou de querer algo, entretanto, o que deparamos é a afloração desse desejo por parte da ideologia do consumismo que rege a sociedade. É notório que o capitalismo constrói uma sociedade voltada para o consumo, onde o homem é estimulado para a aquisição de bens materiais, ou seja, ao consumo; consumo este, muitas vezes desmedido e alienado, pois não provêm de uma reflexão feita por parte do sujeito, mas por apelos publicitários e midiáticos que o faz comprar algo desnecessário, como um bem superflúo e que nada acrescentará à sua vida, apenas a preencher o desejo que fora estimulado artificialmente pela publicidade. Nessa ótica, o produto passa a ser um fim em si mesmo e não um meio. Há o consumo consciente e o consumo alienado e desmedido. O consumo de forma alienada e desmedida por bens materiais supérfluos atende as demandas da lógica do mercado, pois é a chave mestra do capitalismo, ou o parafuso que faz a engrenagem andar, e consumindo a maquinaria continua funcionando. Para que haja consumo a ideologia do sistema inculca valores nas pessoas, de modo que fazem-nas acreditar que o ter é mais que o ser, ou que preenche o vazio desse. Já o consumo consciente provêm de uma reflexão crítica feita pelo sujeito, buscando comprar aquilo que é realmente necessário para si.
Há um verdadeiro aparato para estimular o homem a consumir aquilo que ele não precisa. Há uma grandiosa indústria que com seus tentáculos não deixa ninguém imune, pois pega à todos, até mesmo o índio que é fruto de outra cultura e vive na sua comunidade longe dos shopping centers de nossas cidades. Hojem em dia não é muito difícil ver um índio com um celular nas mãos, ou um tênis de marca e até mesmo bebendo uma coca-cola. É a caixinha de ilusões (televisão) que chegou nas comunidades indígenas, atendendo a exigência do sistema de adquirir mais consumidores, sem medir esforços para fisgá-los, mesmo agindo de forma etnocêntrica, desrespeitando a sua cultura.
O Conar (Consellho Nacional de Auto Regulamentação Publicitária) critica a publicidade quando ela é usada de forma enganosa e irresponsável. A publicidade comercial é a que estimula o consumo, e é considerada uma das principais ferramentas, senão a principal, do modelo econômico vigente. As agências publicitárias, através dos comerciais televisos, procuram convencer às pessoas que com a obtenção de produtos e a acumulação do mesmo irão ser felizes, ou seja, a publicidade procura vender a felicidade, mas não consegue. O carro é o sonho de consumo de todos e para adquirí-lo trabalhamos até derramarmos a última gota de suor.
Nesse cenário de consumismo devemos observar também as crianças. Quais são os valores que as crianças estão aprendendo, e que a sociedade de consumo passa para elas? O documentário "Criança, a alma do negócio" (link para o video no final do texto) produzido por Estela Renner e Marcos Nistie, foi exibido no dia das crianças pela TV Senado, fala a esse respeito. Nele é exposto um lado da publicidade que muito preocupa uma gama de profissionais, como psicólogos, sociólogos, educadores e muitos pais Brasil afora, e que influência diretamente na formação dos valores das crianças, por serem hipervulneráveis à tudo, já que estão em fase de desenvolvimento emocional e psicológico, é a propaganda voltada para o público infantil. Segundo o que é exposto no documentário, a criança brasileira passa muitas horas em frente da televisão, sendo submetida a um forte bombardeio publicitário de disseminação de valores consumistas e de competitividade. A competitividade é evidenciada nas crianças quando um menino não possui o brinquedo do momento ou o tênis de marca, e passa a ser excluído por causa disso. E a menina que não está na moda e não tem aquele celular de última geração não entra no grupinho ou não faz parte da galera. O documentário mostra também que hoje em dia as bonecas tornaram-se projeções, um modelo ideal pela qual muitas meninas estão se espelhando. Antigamente muitas bonecas possuíam a aparência de bebês, hoje elas tem características de uma mulher adulta, e que se enquadra aos padrões de beleza desejado: chique, bonita e da moda; ou seja, a boneca barbie, por exemplo, é vista como um modelo de inspiração, pois muitas meninas querem se parecer ou até mesmo serem como ela. Os pais reclamam que seus filhos estão com hábitos extremamente consumistas, e os profissionais dizem que a influência exercida pela propaganda é muito ruim para o desenvolvimento das crianças, o que para mim, na minha humilde opinião, considero algo realmente terrível, inescrupuloso e anti-ético. Olha só os valores com que as crianças estão crescendo, e que a mídia passa para elas, estão aprendendo a serem futuros consumidores, a serem pessoas superficiais e a avaliar o outro pelo seus bens materiais e pelo tamanho de sua riqueza. O que queremos: futuros consumidores ou cidadãos?
Os pais se perguntam: "Por que meu filho sempre me pede um brinquedo novo? Por que minha filha quer mais uma boneca se ela já tem uma caixa cheia de bonecas? Por que meu filho acha que precisa de mais um tênis? Por que eu comprei maquiagem para minha filha se ela só tem cinco anos? Por que meu filho sofre tanto se ele não tem o último modelo de um celular? Por que eu não consigo dizer não? Ele pede, eu compro e mesmo assim meu filho sempre quer mais. De onde vem este desejo constante de consumo?" Assim, como é dito no documentário, as crianças estão aprendendo a serem adultos em miniaturas, deixando de serem crianças,(pois não brincam mais, não se divertem mais), para, precocemente, se transformarem em adultos ou melhor, em consumidores.
Segundo ainda o documentário, muitos países regulamentaram a publicidade voltada para crianças e proibiram a exposição de propagandas que estimulem o consumo durante os intervalos dos programas infantis. Para especialistas, a publicidade para as crianças deve ser regulamentada pelo Estado Brasileiro para que assim haja um freio na sua ação, muitas vezes, imoral, cuja única ética é a ética da lógica do mercado. Podemos entender que a publicidade comercial tem como único objetivo a implantação de uma cultura desenfreada de consumo e assim atender a lógica e as demandas do sistema capitalista.
A desvalorização do homem e a supervalorização de coisas e bens materiais é chamada por Karl Marx de fetichismo da mercadoria, onde uma mercadoria que é uma coisa, um ser inanimado passa a possuir características humanas, pois os bens materiais passam a ser considerados maiores do que o próprio ser humano, e o homem passa a ser descaracterizado, coisificado e desvalorizado. Assim sendo, passamos a medir o valor de uma pessoa pelo carro que ela possui, pelo seu emprego ou pela sua conta bancária.
As mudanças históricas, sociais e culturais acarredadas pelo modelo econômico atual e a sua ação ideologica, configuraram o nosso modo de ser e pensar atingindo, também, na forma com que nos relacionamos afetiva e amorosamente uns com os outros, fazendo-nos acreditar que o primeiro critério para avaliar um possível parceiro(a) é a quantidade de bens materiais que este ou esta possui, desconsiderando o caráter e os valores que as pessoas carregam. Além do mais, outro fenômeno das sociedades de consumo é o individualismo. Nos tornamos mais individualistas, e segundo o ativista político Frei Betto a ideologia neoliberal repercuti na forma com que nos comportamos, pois tornamos pessoas mais privadas e menos coletivas, e passamos a preocupar somente com os nossos projetos pessoais, com a roupa que queremos comprar ou com o curso que queremos fazer, e as questões de interesse público (coletivo), como saúde, educação, desigualdade social, passam despercebidas por muita gente.
Esse artigo é somente um esboço, onde procuro descrever um tema bastante complexo e polêmico, mas numa opinião pessoal acredito que vivemos numa realidade camuflada por valores consumistas, e a publicidade usada de forma enganosa e irresponsável tem um papel fundamental na difusão desses valores. Acredito que somos levados através do poder da ideologia, disseminada nos meios de comunicação de massa, a sermos pessoas fúteis, superficiais e extremamente consumistas. O sistema influência na dinâmica das relações humanas, e assim passamos a valorizar o outro pelo seus bens materiais e não pelo que são. Acho que não seja errado querermos um bem, como um carro ou um bom emprego, pois, como foi dito no começo, são desejos intrísicos do próprio homem, mas é errado julgarmos alguém pela suas posses e não pelo seu caráter, pelo seus valores e princípios éticos, ou seja, o ter em hipótese alguma pode sobrepujar o ser.

Link do video do documentário Criança, a alma do negócio: http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/Biblioteca.aspx?v=8&pid=40

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Até que ponto o trabalho realmente dignifica o homem?



Os dias 6 e 7 de novembro foram de bastante agito e correria por parte dos vestibulandos, pois foram os dias em que as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (o famigerado Enem) foram aplicadas. Eu tive acesso às provas e muito me interessou o tema da redação, que era: “O Trabalho na Construção da Dignidade Humana”. Como veemente defensor dos trabalhadores, redigi um singelo texto sobre o tema.
A relação do homem com o trabalho é de suma importância. Através do trabalho que o homem transforma a natureza e a si mesmo. É uma forma de ele estabelecer relações de interação social, de entrar em contato com o outro, com a alteridade e assim se desenvolver subjetivamente. É na arte da labutação que o homem cria verdadeiros feitos: grandes obras literárias e filosóficas, prédios colossais e escolas, arquedutos, casas, parques e as mais variadas coisas que podemos imaginar. O trabalho é lúdico e prazeroso, e afirma o nosso status de seres racionais e culturais. Da matéria-prima dada pela natureza podemos criar meios para facilitar as nossas vidas. É conhecida a frase do ditado popular que diz que "o trabalho dignifica o homem", e assim o trabalho também nos reveste de dignidade e respeito, nos enobrece e enriquece como pessoa.
Porém, se analisarmos a realidade concreta em que o trabalho é efetuado, perceberemos que em muitas situações o trabalho não enobrece o homem, mas o leva ao embrutecimento. Basta-nos observar que nas sociedades contemporâneas de economia capitalista a relação que o homem estabelece com o trabalho, muitas vezes, deixa de ser uma relação digna, lúdica e prazerosa e passa a ser de degradação, submissão e alienação. O trabalhador de uma indústria, por exemplo, vende sua mão de obra em troca de um salário realmente irrisório porque está muito aquém de suas energias gastas, e onde é obrigado a se submeter a uma jornada de trabalho extremamente estressante e maçante, que o degrada física e psicologicamente. Embora a classe trabalhadora tenha obtido grandes vitórias para a melhoria das suas condições de trabalho, o ritmo estabelecido pelas indústrias é ainda muito degradante e penoso. Ele submete o trabalhador a realizar movimentos repetitivos e mecânicos, que geram muitas dores na coluna e nos músculos, e, além disso, também acaba deixando-o sem tempo disponível para se dedicar a outras atividades; investir nos estudos e no seu crescimento intelectual e cultural, por exemplo. Muitas vezes o trabalhador tenta conciliar o trabalho com o estudo, mas a falta de tempo faz com que a pessoa se transforme em um verdadeiro acrobata, pois para realizar duas atividades simultaneamente ele tem que aprender a se virar de qualquer jeito.
Além do mais, o trabalho realizado dessa maneira separa o homem do seu produto final, alienando-o daquilo que ele mesmo produziu. Também o torna ignorante às questões de interesse público, como: a política, educação, saúde, constituição, entre outras coisas; enfim, deixa o homem alienado da própria sociedade em que se encontra inserido. Assim, o trabalho que deveria ser uma forma de proporcionar a construção da dignidade humana se transforma, dentro do contexto de produção da economia vigente, em algo realmente penoso, desagradável, enfadonho e alienante, o que em última instância descaracteriza o homem, transformando-o numa coisa. Retificado e coisificado, o homem passa a ser apenas um joguete, uma mera peça de engrenagem para movimentar a maquinaria do sistema capitalista. Vale a pena mencionar o clássico filme Tempos Modernos, do brilhante cineasta e ator Charles Chaplin (1889-1977), que retrata de forma cômica a realidade do trabalhador dentro de uma indústria. É engraçado, bastante crítico e compensa assistir!
O Filósofo e Historiador Alemão Karl Marx é conhecido como o grande crítico desse modelo de produção, e dentre tantas teorias que ele escreveu, se destaca uma frase: "a historia da humanidade é a historia da luta de classes", e um dos aspectos onde essa luta acontece é no trabalho, na relação empregado e empregador, proletário e donos dos meios de produção. O fato é que a sociedade é dividida em classes e camadas sociais antagônicas, mas que é encoberta pela ideologia construída pela classe social dominante do poder econômico e político. Tal ideologia nos passa um conjunto de idéias, e a idéia mais difundida é a de que fazemos parte de uma sociedade harmônica, onde todos têm as mesmas oportunidades e possibilidades de ascender socialmente, entretanto, essa afirmação é uma falácia e seria um absurdo acreditar nisso.
Assim sendo, nas sociedades capitalistas a pirâmide social é hierarquizada e a classe trabalhadora é a responsável pela sua sustentação, mas, no entanto, se encontra na última posição da pirâmide social. Assim, toda a riqueza produzida pela sociedade é produzida pela classe trabalhadora, todavia, a maior fatia do bolo fica concentrada nas mãos de um pequeno grupo. Esse pequeno grupo são os donos dos meios de produção, os grandes empresários e barões do capital, os banqueiros e as gigantes das corporações multinacionais.
Concluo que o homem só irá gozar de plena dignidade quando o trabalho lhe proporcionar um salário efetivamente justo, e creio que isso só acontecerá quando toda a riqueza produzida pela classe trabalhadora for dividida de forma verdadeiramente igualitária. No calor da práxis eu vivencio de segunda à sexta, junto com muitos outros trabalhadores, essa realidade, isso quer dizer que meu relato é empírico, pois provêm de minha própria experiência. No mais, quero dizer que no modelo de exploração do homem pelo homem o trabalho é alienado, e ao invés de dignificar o homem o embrutece. Isso me faz lembrar da raiz etmológica da palavra "trabalho", que deriva do latim tripalium que significa: "instrumento de tortura, usado para torturar escravos".